2017-02-28

Futebol e carnaval, ninguém leva a mal?

Em 2017 vão 4 milhões para os 3 principais clubes da Madeira, já foi mais alto o valor. Nestes 40 anos de governos PSD o futebol levou algumas centenas de milhões, chegava para o novo hospital. A desculpa (sem fundamento) é a promoção turística. Mas quantos turistas sabem o nome dos clubes da ilha? E desses quantos escolheram a região como destino, por causa do futebol?

O turismo da Madeira vive da Natureza, da paisagem. Enquanto se esbanjam milhões no futebol, permite-se a destruição da paisagem, do património, da orla costeira e não se investe na conservação da Natureza, na prevenção dos incêndios nem no ordenamento urbanístico e florestal - deixa-se morrer a galinha dos ovos de ouro. Um corpo de sapadores florestais custaria os mesmos 4 milhões por ano, mas esse projeto o governo abandonou, por falta de verbas.

É incongruente e desqualifica o destino de qualidade que é a Madeira, fazer a promoção através de um desporto de massas. Se o futebol fosse um meio eficaz para a promoção turística, destinos como as Canárias, o Algarve ou as Caraíbas, seguiriam o nosso exemplo.

Há duas razões enganosas a favor dos subsídios ao futebol: diz que dá lucro à região; ah, temos o Ronaldo e o museu atrai muita gente. Se o futebol dá lucro, então que se privatize, venham investidores pegar nos clubes e ficar com os lucros. Quanto ao Ronaldo e a sua carreira ímpar, em nada fica a dever-se à politica regional de apoios ao desporto. O Ronaldo saiu da Madeira com tenra idade, fez a sua formação enquanto futebolista e enquanto homem fora da sua ilha natal.

O interessa é criar entretenimento para o povo, encher os jornais com notícias da bola, que não são perigosas para quem está no poder. Enquanto se fala da bola não se fala do desemprego nem da corrupção. Promover as figurinhas do PSD a figurões, distribuir empregos e negócios para garantir votos nas eleições.

O governo deve apoiar a pratica de desporto por todos, sim, por razões de saúde. Mas o desporto profissional é um negócio de milhões, quem gosta que se faça sócio dos clubes e pague do seu bolso.

No turismo conta muito a autenticidade: aquilo que nos distingue, que não se pode encontrar em nenhum outro sítio do mundo. Não é o caso do futebol nem do carnaval-com-samba, são apostas erradas para efeitos de promoção turística da Madeira.

Quando era miúdo o carnaval chamava-se entrudo e não tinha samba. Havia os mascarados e as malandrices do dia dos compadres. Mas quem manda nesta terra, numa lógica saloia de “o que vem de fora é que é bom” resolveu financiar escolas de samba, como se fizesse parte da cultura madeirense, ou sequer combinasse com a nossa maneira de ser.

No carnaval é verão no Brasil, mas cá é inverno. Faz tanto sentido trazer o carnaval-com-samba para a Madeira, como trazer areia amarela para as nossas praias, ou encontrar um galo com dentes. É contranatura, desvaloriza o que é nosso, as nossas raízes, o que é autêntico, descaracteriza a nossa cultura, e isso é feito pelo governo que tem a obrigação de a proteger.

Como promoção turística o carnaval-com-samba vale zero. Quem gosta de carnaval vai ao Rio ver o autêntico, não vem à Madeira ver uma cópia pobre e artificial. Os diretores hoteleiros reconhecem que menos de 5 por cento dos turistas se interessam pelo cortejo do sábado à noite. Um cartaz turístico autêntico e diferenciador tem de ter raízes populares, não deve basear-se em tradições inventadas por decreto.


(publicado em dnoticias.pt em 27/02/2017)

2017-02-22

O offshore da Madeira é igual aos outros

O offshore da Madeira não é melhor nem pior que outros que funcionam na Europa ao abrigo da hipocrisia dos governos.


Ao contrário da propaganda oficial, o CINM [Centro Internacional de Negócios da Madeira] não serve para captar investimento nem para criar emprego (ou serve apenas muito marginalmente) e também não serve para diversificar a economia regional, isto é, para trazer novas atividades económicas para a Madeira. Serve para fugir aos impostos, para esconder no anonimato os verdadeiros donos de algumas grandes fortunas e para encobrir negócios pouco claros.

Mas dá dinheiro, é verdade, quase 200 milhões em IRC para os cofres da região em 2016. Mas então tudo o que dá dinheiro é bom, é aceitável? Os negócios da droga, o tráfico de armas para grupos terroristas, o tráfico de seres humanos - de crianças - para exploração sexual ou para outras variantes de trabalho escravo, também envolvem muitos milhões, vamos aceitar os proveitos de tais negócios?

O CINM também faz perder muitos milhões à Madeira, desde que foi criado. Os negócios que ali são registados no papel, de muitos milhões, influenciam o PIB. Nas estatísticas parece que somos ricos com um PIB 5% acima da média da Europa e 25% acima da média do país, em 2009. A consequência é perder largos milhões em fundos comunitários e em transferências do Orçamento do Estado para a região e para os municípios.

O grande objetivo para a criação do regime fiscal favorável do CINM, o fundamento para a sua aprovação pela Europa, foi e é a diversificação da economia regional e combater a histórica dependência do turismo e das obras públicas, criar mais riqueza, mais empregos e de melhor qualidade. Em suma, uma maior autonomia económica e financeira à Madeira.

O CINM fracassou! Passaram 30 anos e a dependência face ao turismo não diminuiu, nem surgiram novos setores de atividade na região. A criação de empregos é residual e os números anunciados são uma ficção. Uma única pessoa ocupa o cargo de gerente em 323 empresas - são 323 empregos para as estatísticas. Outras 12 pessoas ocupam mais de 100 postos de trabalho cada uma - para cima de 1.200 empregos para as estatísticas… e assim chega-se às contas oficiais de 7.000, outra vezes 9.000 empregos.

Mas a criação de emprego nem é levada a sério: o Bloco de Esquerda propôs em 2016, um novo regime que aumentava a exigência de criação de empregos. A cada empresa que se instalasse de futuro seria exigido a criação de seis postos de trabalho em vez de apenas um, a tempo inteiro e com vínculo permanente. A proposta foi chumbada pelo PS, PSD e CDS, com o argumento que iria matar o CINM. Não é honesto o argumento, as novas regras seriam aplicadas apenas às novas empresas, quem já estava continuaria a beneficiar das mesmas regras que estão em vigor. Não passa de uma farsa a conversa do emprego o que pretendem as autoridades regionais é uma praça aberta a toda e qualquer traficância.

O Grupo Pestana tem beneficiado como principal acionista da SDM, que gere o CINM. Só em taxas a SDM cobra um mínimo 1.800 € por ano a cada empresa, as 2.000 empresas registadas proporcionam receitas superiores a 5 milhões por ano, o que ajuda a compreender a dimensão que este grupo hoteleiro alcançou nos últimos anos.

Falta visão estratégica

A realidade do CINM é muito frágil, qual castelo de cartas. As empresas cuja presença se limita a um endereço postal e a um funcionário partilhado, a esmagadora maioria, podem contribuir com muitos milhões em IRC, mas não dão garantia alguma de permanência. Nada as prende cá, podem sair da Madeira em menos de um instante. Uma alteração política europeia, um “tweet” de Donald Trump ou outro evento fortuito que escapa ao nosso controlo, pode determinar uma debandada. E nesse caso o que sobrará será nada, um deserto. E isto é trágico!

Os benefícios fiscais do CINM deveriam ser aproveitados para criar emprego efetivo, empresas que ganhem raízes na Madeira e não desapareçam à mínima “brisa” desfavorável, que ofereçam perspetivas de permanência a médio e longo prazo. O Bloco deu o seu contributo, como a alteração ao regime acima referida, não se tratava de matar o CINM, mas de ser mais exigente de pensar no futuro e não apenas no imediato.

Faltou a continua a faltar visão estratégica para que o CINM possa cumprir a promessa de tornar-se um instrumento de desenvolvimento regional. Prevalecem os interesses particulares e imediatistas sobre o interesse geral e a visão de futuro.


(publicado em Esquerda.net a 22/02/2017)

2017-02-17

Simplificar a vida das pessoas nas ligações entre as ilhas e o continente

O Bloco pretende que as pessoas beneficiem do subsídio de mobilidade quando pagam as viagens, sem aguardar pelo reembolso.


O propósito da iniciativa do BE é simplificar a vida às pessoas que residem nos Açores e na Madeira, quando precisam de viajar para fora das suas regiões, no acesso ao subsídio de mobilidade.

O facto de as pessoas terem de adiantar o preço exigido pelas companhias, muitas vezes exorbitante e só depois de realizadas as viagens terem direito a reclamar o subsídio, impede muita gente de viajar, pois torna-se incomportável para muitas famílias, em especial nas épocas de maior procura, como são as férias escolares do Natal, Pascoa e Verão.

É inaceitável, em especial para os estudantes que passam a maior parte longe das suas famílias, e vêm-se impedidos de passar o Natal ou a Páscoa em casa, por falta de capacidade económica para adiantar o valor dos bilhetes.

Tem de ser resolvido este problema. A solução que o Bloco propõe não é perfeita? Muito bem, vamos então trabalhar para rapidamente encontrar uma solução melhor. A situação atual não pode continuar.

O caso torna-se absurdo quando a uso do cartão de crédito, um instrumento que permite contornar as dificuldades financeiras, é castigado com um prazo adicional de 60 dias para obter o reembolso dos bilhetes, o que acontece no caso da Madeira.

É bom lembrar que não há alternativa ao transporte aéreo para quem vive nas ilhas portuguesas – as únicas na Europa em que se verifica esta dependência do avião.

As alterações propostas são limitadas, o modelo mantém-se no essencial, antecipamos o momento do pagamento do subsidio e colocamos como como intermediário a AT no lugar dos CTT. O subsídio deve apoiar os residentes e não os lucros desta empresa privada.

A formula de calculo do subsídio mantém-se e isso é que pode ou não incentivar as companhias a praticar preços altos. Se não é viável o processamento do subsídio pelas companhias ou pelos seus agentes, outra alternativa tem de ser ponderada, como por ex: os serviços da AT ficarem com essa incumbência, de fazer o pagamento do bilhete e cobrar ao passageiro a parte que lhe cabe.

A liberalização iniciada em 2008 não cumpriu as suas promessas, em particular nas épocas altas, quando vir da Madeira para Lisboa custa mais que ir de Lisboa a Nova Iorque.

A prometida concorrência, ao cabo de nove anos ainda não apareceu, não deu resultado, mas apesar disso os governos regionais e da Republica mantém uma fé inabalável no mercado.

No caso dos Açores, o aparente sucesso da liberalização carece de avaliação cabal é preciso trazer à luz do dia os apoios que são pagos por portas travessas às companhias de baixo custo.

As companhias de baixo custo respondem à sazonalidade com subida de preços e não com maior oferta de voos. Só serviço público garante estabilidade de preços e o ajustamento da oferta de voos à sazonalidade da procura, às necessidades das pessoas.

Intervenção no plenário da Assembleia da República em 17 de fevereiro de 2017

(publicado em esquerda.net a 17/02/2017)

2017-02-14

Um novo paradigma no acesso à habitação

Cooperativas de habitação - um mecanismo para os municípios regularem o mercado local de arrendamento, investirem em habitação social e evitarem mais despejos de famílias endividadas.


Portugal é o país da Europa onde mais famílias são proprietárias das habitações que ocupam. O bloqueio dos mecanismos de arrendamento, um período de juros baixos e crédito fácil e a

visão conservadora de uma família, uma casa e um carro, para isso muito contribuíram. A crise bancária e as políticas de empobrecimento que se lhe seguiram levaram muitas famílias ao desespero, a perderem a sua casa (a propriedade bem como o usufruto). É um flagelo social ao qual os municípios podem dar uma resposta mais eficaz que até aqui, através do modelo cooperativo. Podem com reduzido investimento evitar mais despejos, reforçar a oferta de habitação social e regular o mercado local de arrendamento.

O município cria uma cooperativa, para adquirir os imóveis das famílias em dificuldades de cumprir com o crédito à habitação, sem ter de desembolsar qualquer euro: as habitações são pagas com a emissão de títulos de capital representativos do capital social da própria cooperativa, tornando-se a família e o banco cooperantes; ou pela emissão de títulos de investimento tornando-se a família e banco credores da cooperativa; ou ainda contraindo um credito hipotecário junto do banco onde se encontrava o credito habitação original; ou ainda por uma combinação destas três figuras, para melhor atender aos interesses das três partes envolvidas – cooperativa, banco credor e família endividada.

Por cada imóvel adquirido a cooperativa aumenta o número de cooperantes e o seu capital social (ou o passivo pelo valor dos títulos de investimento emitidos e dos créditos hipotecários contraídos), por um lado e por outro reforça o seu património. As habitações adquiridas ou são arrendadas aos anteriores proprietários que se mantêm na sua casa ou ficam disponíveis para outros fins: arrendamento social; venda.

As famílias alteram a constituição do seu património, trocam a propriedade da sua casa e a dívida ao banco, por títulos de capital na cooperativa ou uma combinação de títulos de capital e títulos de investimento. Negoceiam com esta, se for do seu interesse, a manutenção do usufruto da sua casa, através de arrendamento, ou mudam-se para outro imóvel disponível com uma renda mais acessível. Pode ser prevista uma opção de compra a exercer num determinado prazo e a possibilidade de as rendas serem pagas com os títulos da cooperativa.

Para os bancos há a possibilidade de substituir créditos problemáticos pela participação no capital das cooperativas e/ou pela aquisição de títulos de investimento ou ainda por um novo crédito hipotecário de melhor qualidade. Os títulos de investimento são transmissíveis e poderiam posteriormente ser colocados pelos bancos junto dos seus clientes, como instrumentos de poupança.

Os municípios ficam a dispor de um instrumento que lhes permite investir em habitação social sem despesa orçamental e travar o flagelo social dos despejos. Podem reservar uma percentagem de votos na assembleia geral de cooperativa, que lhes garanta o controlo das decisões. O endividamento das cooperativas pode não relevar para a dívida global do município, dependendo do grau de controlo exercido – da percentagem de votos reservada.

Para reforço da capacidade financeira e operacional das cooperativas, o Fundo de capitalização da Segurança Social deverá adquirir títulos de investimento, como aplicação financeira de longo prazo e de baixo risco que é o investimento em imóveis.

As cooperativas são organizações cuja gestão é democrática – uma pessoa, um voto, independentemente do valor da participação no capital. A sua atuação deverá ser alargada à gestão dos bairros sociais existentes, fazendo dos atuais inquilinos cooperantes e incentivando a sua participação na gestão da cooperativa e dos seus bairros, numa lógica de empoderamento, responsabilização e emancipação.

Este modelo é um instrumento para mudar o paradigma do acesso à habitação, da propriedade para o arrendamento o que a longo prazo reduz o conservadorismo na sociedade que é característico de uma sociedade de proprietários. Promove a mobilidade geográfica. Cria um novo tipo de ator, de propriedade coletiva e gestão democrática e participativa, não especulativo, portanto, com grande capacidade para intervir no mercado de arrendamento e de investimento em nova construção.


(publicado em esquerda.net a 14/02/2017)