2017-02-14

Um novo paradigma no acesso à habitação

Cooperativas de habitação - um mecanismo para os municípios regularem o mercado local de arrendamento, investirem em habitação social e evitarem mais despejos de famílias endividadas.


Portugal é o país da Europa onde mais famílias são proprietárias das habitações que ocupam. O bloqueio dos mecanismos de arrendamento, um período de juros baixos e crédito fácil e a

visão conservadora de uma família, uma casa e um carro, para isso muito contribuíram. A crise bancária e as políticas de empobrecimento que se lhe seguiram levaram muitas famílias ao desespero, a perderem a sua casa (a propriedade bem como o usufruto). É um flagelo social ao qual os municípios podem dar uma resposta mais eficaz que até aqui, através do modelo cooperativo. Podem com reduzido investimento evitar mais despejos, reforçar a oferta de habitação social e regular o mercado local de arrendamento.

O município cria uma cooperativa, para adquirir os imóveis das famílias em dificuldades de cumprir com o crédito à habitação, sem ter de desembolsar qualquer euro: as habitações são pagas com a emissão de títulos de capital representativos do capital social da própria cooperativa, tornando-se a família e o banco cooperantes; ou pela emissão de títulos de investimento tornando-se a família e banco credores da cooperativa; ou ainda contraindo um credito hipotecário junto do banco onde se encontrava o credito habitação original; ou ainda por uma combinação destas três figuras, para melhor atender aos interesses das três partes envolvidas – cooperativa, banco credor e família endividada.

Por cada imóvel adquirido a cooperativa aumenta o número de cooperantes e o seu capital social (ou o passivo pelo valor dos títulos de investimento emitidos e dos créditos hipotecários contraídos), por um lado e por outro reforça o seu património. As habitações adquiridas ou são arrendadas aos anteriores proprietários que se mantêm na sua casa ou ficam disponíveis para outros fins: arrendamento social; venda.

As famílias alteram a constituição do seu património, trocam a propriedade da sua casa e a dívida ao banco, por títulos de capital na cooperativa ou uma combinação de títulos de capital e títulos de investimento. Negoceiam com esta, se for do seu interesse, a manutenção do usufruto da sua casa, através de arrendamento, ou mudam-se para outro imóvel disponível com uma renda mais acessível. Pode ser prevista uma opção de compra a exercer num determinado prazo e a possibilidade de as rendas serem pagas com os títulos da cooperativa.

Para os bancos há a possibilidade de substituir créditos problemáticos pela participação no capital das cooperativas e/ou pela aquisição de títulos de investimento ou ainda por um novo crédito hipotecário de melhor qualidade. Os títulos de investimento são transmissíveis e poderiam posteriormente ser colocados pelos bancos junto dos seus clientes, como instrumentos de poupança.

Os municípios ficam a dispor de um instrumento que lhes permite investir em habitação social sem despesa orçamental e travar o flagelo social dos despejos. Podem reservar uma percentagem de votos na assembleia geral de cooperativa, que lhes garanta o controlo das decisões. O endividamento das cooperativas pode não relevar para a dívida global do município, dependendo do grau de controlo exercido – da percentagem de votos reservada.

Para reforço da capacidade financeira e operacional das cooperativas, o Fundo de capitalização da Segurança Social deverá adquirir títulos de investimento, como aplicação financeira de longo prazo e de baixo risco que é o investimento em imóveis.

As cooperativas são organizações cuja gestão é democrática – uma pessoa, um voto, independentemente do valor da participação no capital. A sua atuação deverá ser alargada à gestão dos bairros sociais existentes, fazendo dos atuais inquilinos cooperantes e incentivando a sua participação na gestão da cooperativa e dos seus bairros, numa lógica de empoderamento, responsabilização e emancipação.

Este modelo é um instrumento para mudar o paradigma do acesso à habitação, da propriedade para o arrendamento o que a longo prazo reduz o conservadorismo na sociedade que é característico de uma sociedade de proprietários. Promove a mobilidade geográfica. Cria um novo tipo de ator, de propriedade coletiva e gestão democrática e participativa, não especulativo, portanto, com grande capacidade para intervir no mercado de arrendamento e de investimento em nova construção.


(publicado em esquerda.net a 14/02/2017)

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