Com a eutanásia, pensa-se pouco na pessoa individual, única, apanhada numa aflição sem remédio — e muito na nossa própria conveniência.
Quando estamos doentes há coisas que dizemos e fazemos não para nos sentirmos melhor, mas para que se sintam melhor as pessoas que se preocupam connosco.
As pessoas que não estão doentes preferem sempre que façamos tudo e mais alguma coisa para melhorarmos: análises, exercícios, dietas e consultas e exames sem fim.
As pessoas que não estão em lares — sobretudo aquelas que puseram pessoas em lares — querem sempre ouvir dizer coisas boas sobre o lar onde vão visitar um familiar ou amigo.
Querem que as pessoas que lá vivem, muitas vezes contra a sua vontade, digam que nunca estiveram melhor, que estão felizes, que fizeram amizades, que dormem descansadas, pensando nas alegrias que as esperam no dia seguinte.
Somos todos muito egoístas. Convém-nos que toda a gente esteja bem. As queixas dos outros, quando são repetitivas, como são todas as queixas que não se conseguem (nem devem) calar, ocupam-nos o coração, a cabeça, o tempo e a disponibilidade emocional que preferíamos guardar para os poucos prazeres que temos.
Com a eutanásia é semelhante. Pensa-se pouco na pessoa individual, única, apanhada numa aflição sem remédio — e muito na nossa própria conveniência.
Seja essa conveniência existencial, religiosa ou ética. Tanto faz. Queremos que toda a gente viva até morrer. Pesa-nos menos na alma. Livra-nos de pensar e de escolher.
Entregue ao destino a morte maça-nos menos. O “seja o que Deus quiser” absolve-nos de responsabilidade e confirma a nossa preguiçosa e cobarde sensação de impotência.
E o moribundo? Que se lixe.
Miguel Esteves Cardoso no Público
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