2017-04-08

A Economia Social e as desconfianças que suscita

A Economia Social é vista com desconfiança à esquerda, por tratar-se de território disputado pela direita, com a sua visão caritativa e conformadora. Quanto ao estado também é campo de disputa por visões opostas quanto ao seu papel na sociedade e na economia, mas neste caso a esquerda não o repudia nem abdica de um estado forte.


Por “Economia Social” podemos querer significar coisas muito distintas, conforme os interesses de quem usa a expressão. Por um lado, é entendida como um conjunto de atividades económicas conexas com as funções sociais do estado - saúde, educação e assistência social - com a função paliativa de colmatar as falhas da economia de mercado ou capitalista e mitigar os seus efeitos perversos como o desemprego, a pobreza e a exclusão social. Obedece a uma visão conformadora, na medida em que se pretende tratar dos efeitos, mas sem atacar as causas, conter a pobreza e exclusão em níveis “aceitáveis”, sem preocupar-se com as causas profundas, portanto sem questionar o modelo económico dominante.

A economia social foi usada de forma instrumental pelo governo PSD-CDS, para fazer recuar o papel do Estado. São exemplos concretos disso a entrega da gestão de hospitais públicos às misericórdias, a criação de cantinas sociais por associação diversas, para as quais foram canalizadas as verbas que antes pagavam o RSI, ou o financiamento de turmas no ensino cooperativo em prejuízo de escolas públicas na proximidade.

Esta é a visão da direita e quando diz apoiar a economia social o que pretende é diminuir o papel do estado. Outra forma, cínica, de ajudar a economia social de que se reclama a direita, é fornecer-lhe mais clientes, isto é, mais pobres para cuidar, foi o que fez o governo anterior com as políticas de empobrecimento com o patrocínio da troika e foram muito eficazes.

Em suma trata-se dos negócios da caridade, do cuidar dos pobrezinhos sem os retirar da pobreza, para que se mantenham disponíveis para a exploração capitalista, mas que não tão pobres que, injustiçados, e se revoltem.

A Economia Social é a alternativa ao modelo económico dominante: um modelo com o foco na satisfação das necessidades das comunidades e não no lucro; com preocupações de sustentabilidade social e ambiental em vez da lógica predatória sobre os recursos naturais; de propriedade coletiva dos fatores de produção e gestão democrática, seguindo a regra uma pessoa um voto, em vez de um euro um voto; um modelo fortemente ancorado nos territórios, que não se deslocaliza para explorar mão de obra mais barata; que não distribui lucros, mas antes os reinveste na própria atividade ou na comunidade onde atua.

As entidades da economia social – e as cooperativas em particular – atuam em todos os setores de atividade, desde a agricultura à finança. Registam maior resiliência nos períodos de crise e maior longevidade que as empresas lucrativas. São instrumentos de coesão social, revelam maiores índices de integração no mundo do trabalho de pessoas com deficiência, de mulheres e de membros das minorias. Segundo as estatísticas, criam empregos de maior qualidade e duradouros.

Esta é a visão de esquerda: a Economia social como motor de transformação da sociedade, de emancipação e empoderamento. Expressão concreta da democracia na economia, da democracia participativa, com papel complementar ao do Estado no crescimento económico sustentável e no combate às desigualdades e à exclusão social.

O papel do Estado na economia também é disputado por visões opostas: a direita deseja-o reduzido às funções de segurança e de proteção da propriedade privada, enquanto as esquerdas pretendem um estado forte, com atuação alargada à economia e às políticas sociais. Mas ao contrário do que se verifica em relação à Economia Social, não se ouvem vozes a repudiar o Estado por ser uma coisa de direita ou neoliberal. A Economia Social não é de esquerda nem de direita, será o que dela fizermos.


(publicado em Esquerda.net a 8/04/2017)

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