Se o Centro Internacional de Negócios (CINM) acabar amanhã, o que é que sobra? Quantas empresas se mantêm na Madeira, quantos empregos sobrevivem? Confrontado com esta questão, o presidente da SDM não respondeu. Francisco Costa afastou o cenário colocado, fez uma profissão de fé na renovação do regime fiscal, porque a resposta não é simpática – é que não sobra nada!
Os benefícios fiscais do CINM visam a modernização e diversificação da economia regional, através da inovação tecnológica e da atração de novas atividades, para quebrar a monocultura do turismo. Têm uma lógica de transformação da economia a longo prazo, para garantir maior sustentabilidade e autonomia à Madeira. Mas ninguém quer saber, o que conta para o governo e para a SDM é o efeito imediato – as receitas fiscais. É um impacto significativo, seguramente, 200 milhões de impostos por ano, mas é um impacto que tem a solidez das bolas de sabão. Esta fragilidade deve preocupar-nos e explica o nervosismo, a hipersensibilidade dos governantes e outros responsáveis perante quaisquer críticas que surjam ao CINM: chiu, não se pode falar!
Tem sido esta a lógica de vistas curtas dos governos PSD: fazer umas coisas que enchem a vista, dão lucro no imediato (aos amigos) para ganhar eleições, mas sem preocupações com os efeitos duradouros, com o futuro - quem vier a seguir que apague a luz. As consequências estão à vista: depois da festança dos fundos europeus – que não chegavam, foi preciso cavar uma dívida de 6 mil milhões – agora temos outra vez a pobreza, o desemprego e a emigração. Já diziam os antigos, dinheiro que não custa a ganhar não custa a gastar.
Benefícios privados e conflito de interesses
Mas o CINM trás outros benefícios. A SDM rendeu aos acionistas privados (leia-se grupo Pestana) lucros de 49 milhões, cerca de 2 milhões por ano. Quem não criava um grupo hoteleiro mundial com tão grande “rendimento mínimo garantido”? Porquê foi entregue a gestão do CINM a privados e qual o seu contributo para justificar tamanha parte nos lucros?
A SDM conta com um novo administrador desde 1 de março, o anterior diretor regional das Finanças, João Machado. Do ponto de vista de quem procura o CINM para pagar menos impostos é uma maravilha, o homem tem uma bagagem incomparável, conhece os cantos do edifício, sabe onde estão as vulnerabilidades e como funciona a máquina fiscal. Para os demais contribuintes é preocupante, pois todo o conhecimento e experiência adquiridos passaram a estar de um dia para o outro, ao serviço de interesses privados em conflito com o interesse público.
É legitima a dúvida: Com que espírito exerceu o mandato? Planeou a sua carreira para poder dar este salto? Esta nomeação é um prémio pelo bom desempenho em prol do CINM? Os contribuintes foram todos tratados com o mesmo rigor e isenção? Tal como era exigido à mulher de César, na gestão da coisa pública não basta ser sério, também é preciso parecer. Os interesses das Finanças e do CINM são conflituantes, esta promiscuidade entre publico e privado não é aceitável.
(publicado em dnoticias.pt em 12/04/2017)
2017-04-13
2017-04-08
A Economia Social e as desconfianças que suscita
A Economia Social é vista com desconfiança à esquerda, por tratar-se de território disputado pela direita, com a sua visão caritativa e conformadora. Quanto ao estado também é campo de disputa por visões opostas quanto ao seu papel na sociedade e na economia, mas neste caso a esquerda não o repudia nem abdica de um estado forte.
Por “Economia Social” podemos querer significar coisas muito distintas, conforme os interesses de quem usa a expressão. Por um lado, é entendida como um conjunto de atividades económicas conexas com as funções sociais do estado - saúde, educação e assistência social - com a função paliativa de colmatar as falhas da economia de mercado ou capitalista e mitigar os seus efeitos perversos como o desemprego, a pobreza e a exclusão social. Obedece a uma visão conformadora, na medida em que se pretende tratar dos efeitos, mas sem atacar as causas, conter a pobreza e exclusão em níveis “aceitáveis”, sem preocupar-se com as causas profundas, portanto sem questionar o modelo económico dominante.
A economia social foi usada de forma instrumental pelo governo PSD-CDS, para fazer recuar o papel do Estado. São exemplos concretos disso a entrega da gestão de hospitais públicos às misericórdias, a criação de cantinas sociais por associação diversas, para as quais foram canalizadas as verbas que antes pagavam o RSI, ou o financiamento de turmas no ensino cooperativo em prejuízo de escolas públicas na proximidade.
Esta é a visão da direita e quando diz apoiar a economia social o que pretende é diminuir o papel do estado. Outra forma, cínica, de ajudar a economia social de que se reclama a direita, é fornecer-lhe mais clientes, isto é, mais pobres para cuidar, foi o que fez o governo anterior com as políticas de empobrecimento com o patrocínio da troika e foram muito eficazes.
Em suma trata-se dos negócios da caridade, do cuidar dos pobrezinhos sem os retirar da pobreza, para que se mantenham disponíveis para a exploração capitalista, mas que não tão pobres que, injustiçados, e se revoltem.
A Economia Social é a alternativa ao modelo económico dominante: um modelo com o foco na satisfação das necessidades das comunidades e não no lucro; com preocupações de sustentabilidade social e ambiental em vez da lógica predatória sobre os recursos naturais; de propriedade coletiva dos fatores de produção e gestão democrática, seguindo a regra uma pessoa um voto, em vez de um euro um voto; um modelo fortemente ancorado nos territórios, que não se deslocaliza para explorar mão de obra mais barata; que não distribui lucros, mas antes os reinveste na própria atividade ou na comunidade onde atua.
As entidades da economia social – e as cooperativas em particular – atuam em todos os setores de atividade, desde a agricultura à finança. Registam maior resiliência nos períodos de crise e maior longevidade que as empresas lucrativas. São instrumentos de coesão social, revelam maiores índices de integração no mundo do trabalho de pessoas com deficiência, de mulheres e de membros das minorias. Segundo as estatísticas, criam empregos de maior qualidade e duradouros.
Esta é a visão de esquerda: a Economia social como motor de transformação da sociedade, de emancipação e empoderamento. Expressão concreta da democracia na economia, da democracia participativa, com papel complementar ao do Estado no crescimento económico sustentável e no combate às desigualdades e à exclusão social.
O papel do Estado na economia também é disputado por visões opostas: a direita deseja-o reduzido às funções de segurança e de proteção da propriedade privada, enquanto as esquerdas pretendem um estado forte, com atuação alargada à economia e às políticas sociais. Mas ao contrário do que se verifica em relação à Economia Social, não se ouvem vozes a repudiar o Estado por ser uma coisa de direita ou neoliberal. A Economia Social não é de esquerda nem de direita, será o que dela fizermos.
(publicado em Esquerda.net a 8/04/2017)
Por “Economia Social” podemos querer significar coisas muito distintas, conforme os interesses de quem usa a expressão. Por um lado, é entendida como um conjunto de atividades económicas conexas com as funções sociais do estado - saúde, educação e assistência social - com a função paliativa de colmatar as falhas da economia de mercado ou capitalista e mitigar os seus efeitos perversos como o desemprego, a pobreza e a exclusão social. Obedece a uma visão conformadora, na medida em que se pretende tratar dos efeitos, mas sem atacar as causas, conter a pobreza e exclusão em níveis “aceitáveis”, sem preocupar-se com as causas profundas, portanto sem questionar o modelo económico dominante.
A economia social foi usada de forma instrumental pelo governo PSD-CDS, para fazer recuar o papel do Estado. São exemplos concretos disso a entrega da gestão de hospitais públicos às misericórdias, a criação de cantinas sociais por associação diversas, para as quais foram canalizadas as verbas que antes pagavam o RSI, ou o financiamento de turmas no ensino cooperativo em prejuízo de escolas públicas na proximidade.
Esta é a visão da direita e quando diz apoiar a economia social o que pretende é diminuir o papel do estado. Outra forma, cínica, de ajudar a economia social de que se reclama a direita, é fornecer-lhe mais clientes, isto é, mais pobres para cuidar, foi o que fez o governo anterior com as políticas de empobrecimento com o patrocínio da troika e foram muito eficazes.
Em suma trata-se dos negócios da caridade, do cuidar dos pobrezinhos sem os retirar da pobreza, para que se mantenham disponíveis para a exploração capitalista, mas que não tão pobres que, injustiçados, e se revoltem.
A Economia Social é a alternativa ao modelo económico dominante: um modelo com o foco na satisfação das necessidades das comunidades e não no lucro; com preocupações de sustentabilidade social e ambiental em vez da lógica predatória sobre os recursos naturais; de propriedade coletiva dos fatores de produção e gestão democrática, seguindo a regra uma pessoa um voto, em vez de um euro um voto; um modelo fortemente ancorado nos territórios, que não se deslocaliza para explorar mão de obra mais barata; que não distribui lucros, mas antes os reinveste na própria atividade ou na comunidade onde atua.
As entidades da economia social – e as cooperativas em particular – atuam em todos os setores de atividade, desde a agricultura à finança. Registam maior resiliência nos períodos de crise e maior longevidade que as empresas lucrativas. São instrumentos de coesão social, revelam maiores índices de integração no mundo do trabalho de pessoas com deficiência, de mulheres e de membros das minorias. Segundo as estatísticas, criam empregos de maior qualidade e duradouros.
Esta é a visão de esquerda: a Economia social como motor de transformação da sociedade, de emancipação e empoderamento. Expressão concreta da democracia na economia, da democracia participativa, com papel complementar ao do Estado no crescimento económico sustentável e no combate às desigualdades e à exclusão social.
O papel do Estado na economia também é disputado por visões opostas: a direita deseja-o reduzido às funções de segurança e de proteção da propriedade privada, enquanto as esquerdas pretendem um estado forte, com atuação alargada à economia e às políticas sociais. Mas ao contrário do que se verifica em relação à Economia Social, não se ouvem vozes a repudiar o Estado por ser uma coisa de direita ou neoliberal. A Economia Social não é de esquerda nem de direita, será o que dela fizermos.
(publicado em Esquerda.net a 8/04/2017)
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