2016-04-26

Offshore: o Telexfree dos ricos.

O CINM – Centro Internacional de Negócios da Madeira foi criado com o objetivo de diversificar a economia regional. Pretendia estabelecer uma industria, captar investimentos, criar novas competências e fixar novas profissões, mas falhou. Passados trinta anos não há indústria e muito menos se alterou o perfil da economia regional, dependente do turismo.

É um falhanço da governação de quarenta anos do PSD, que foi e continua incapaz de apresentar uma estratégia de futuro. Foram criadas infraestruturas fundamentais, mas o enorme investimento nas obras públicas não foi enquadrado numa visão de transformação da atividade económica que lhe desse maior diversidade e viabilidade. Os elevados fundos europeus e a dívida foram desbaratados em inaugurações de obras que fizeram muita vista, mas pouca falta, muitas delas. E estamos de volta à pobreza, ao desemprego e à emigração, apesar do CINM, tecnopolo e das vias rápidas e do aeroporto.

Atiram-se ao ar números do emprego no CINM, mas onde estão os casos de sucesso? Quais são as empresas inovadoras, que atividades desenvolvem, que profissões empregam, que tecnologias transferem para a região, que competências são adquiridas para qualificar a nossa economia e garantir melhor futuro?

Quando nos visitam presidentes e governantes é à Ribeira Brava são conduzidos para verem a ACIN, não ao CINM, pois este não é digno de ser mostrado. Mais vale esconder com uma nuvem de fumo das declarações vagas e números contraditórios e fictícios.

Os números de exportações ou das empresas criadas são pura ilusão. Como podem as estatísticas indicar um excedente comercial, quando na realidade a Madeira importa mais de 90% do que consome?

Empresas de fachada são criadas às dezenas no mesmo dia, partilham a mesma sede, os mesmos sócios e gerentes. Partilham também os mesmos funcionários também eles virtuais. O modo de operação é o mesmo na Madeira ou no Panamá. As empresas especializadas nestes serviços internacionais, as “management” estão presentes em vários desses territórios.

O CINM esconde esquemas de dinheiro fácil, não cria riqueza, não tem qualquer ambição de desenvolvimento apenas vê circular muito milhões. É um Telexfree para ricos e poderosos. E tal como o ouro do Brasil, séculos atrás ou com os fundos da Europa, o dinheiro fácil um dia acaba e quando acaba volta o desemprego, a miséria e a emigração.


(publicado em dnoticias.pt em 26/04/2016)

2016-04-16

Para a inovação o investimento público é fundamental

Há um problema de produtividade em Portugal, apresentado como justificação para manutenção de baixos salários.


A responsabilidade não é dos trabalhadores. Os portugueses que trabalham no Luxemburgo, que são mais de 20% da população ativa daquela país, são muito produtivos, os portugueses que trabalham no Autoeuropa são muito produtivos, pois esta apresenta os mais altos níveis de produtividade dentro do grupo Volkswagen.

O problema reside na cultura de gestão das organizações portuguesas. Cultura do jeitinho e do desenrasque, avessa ao planeamento e à cooperação.

Cultura de desconfiança em relação aos demais concidadãos e ao Estado e da desconfiança do estado face aos cidadãos e empresas.

Os portugueses são na Europa os que menos confiam nos concidadãos a seguir a Chipre, situação que se agravou nos anos da crise.

Uma aposta no empreendedorismo, isto é no individualismo, no caráter messiânico dos investidores não resolverá o problema, mas antes tenderá a agravá-lo.

É preciso fazer diferente e fazer melhor. Fomentar uma cultura de cooperação nas empresas e no Estado, um ambiente favorável à colaboração tendo em vista a investigação e as exportações por ex.

O baixo nível de qualificação dos patrões é outro fator relevante. 80% têm habilitações inferiores ao secundário, na Europa a média é de 28%. Precisam de formação, com certeza, mas não em empreendedorismo, pois empreendedores já o são.

Sublinho a hipocrisia da maioria que apoiou o anterior governo, que após destruir a economia e a procura interna o que tem para dizer aos empresários é: “Ah não têm clientela, vão fazer um curso de empreendedorismo que isso se resolve”.

Quero denunciar aqui duas falácias comuns sobre o empreendedorismo:

O baixíssimos índices de sucesso: 3% apenas dos projetos sobrevivem ao fim de 5 anos. Considerando os projetos que nunca saíram do papel, por falta de financiamento o indicador baixa para 0,1% de sucesso. E os outros, a multidão que fica pelo caminho, com as vidas destroçadas, completamente endividados.

Outra falácia é o exemplo americano apresentado como modelo do investimento privado na tecnologia. É uma realidade que a América possui setores tecnológicos importantes, como a informática e a aeronáutica, mas essas indústrias surgiram e cresceram num contexto de fortíssimo investimento pública no pós-guerra motivado pela corrida ao espaço e ao armamento.

Foi o investimento público o motor do crescimento desses setores tecnológicos e não o mistificado génio de alguns investidores.

Criar muitas empresas é fácil, start-up’s criam-se na hora, o desafio é que perdurem em atividade, que criem emprego de qualidade concorram para o desenvolvimento local, não deslocalizem as atividades nem se descapitalizem para satisfazer as expetativas de lucro dos investidores. À luz destas preocupações, modelo cooperativo apresenta clara vantagem.

Estas preocupações também devem presidir à seleção de investimento estrangeiro. Pretendemos investimento produtivo e não especulativo que crie riqueza e valor acrescentado e não venha extrair rendas certas.


Intervenção na Assembleia da República em 14 de abril de 2015


(publicado no Esquerda.net a 16/04/2016)