2016-11-08

Do Novo Banco, a uma nova banca

O Novo Banco pode dar lugar a uma rede de caixas económicas locais autónomas, geridas por associações mutualistas ou outras. Uma nova banca ética e social de propriedade coletiva e gestão democrática, comprometida com os interesses das comunidades onde atua.


O Estado, através do Banco de Portugal, prepara-se para vender o Novo Banco por um décimo do seu valor patrimonial, num processo conduzido por Sérgio Monteiro*. Esse desconto de 90% equivale a um encargo perpétuo sobre o Orçamento do Estado de 180 M€ por ano, segundo Ricardo Cabral. A estimativa de custo total da resolução do BES eleva-se para 19 mil M€ dos quais 9 mil M€ serão suportados pelos contribuintes.

A confirmar-se, teremos o Novo Banco entregue de bandeja a um investidor americano ou chinês, que vai determinar a política de crédito de acordo com os seus interesses egoístas e expatriar os lucros que vier a gerar, no que será mais um encargo perpétuo sobre a economia portuguesa**.

É inaceitável que o Estado venda por menos de 10 o que vale 100, que assuma tamanhos prejuízos para entregar mais um banco ao controlo estrangeiro. Se os portugueses vão pagar tanto têm o direito a ficar com o controlo do Novo Banco.

Manter a instituição na esfera do Estado é a alternativa óbvia à privatização, mas é opção que enfrenta a mais feroz oposição em Bruxelas e Frankfurt. O obstáculo de Frankfurt pode ser removido com a divisão em bancos regionais, com dimensão que os exclua da supervisão do BCE. Uma proposta de Francisco Louça e Ricardo Cabral inspirada na realidade alemã. A inexistência de regionalização em Portugal, determinou a ausência de interessados que dessem força à proposta.

A desejável desprivatização da banca, tendo em vista a socialização dos seus lucros (e não só dos prejuízos) não implica a nacionalização. O Novo Banco pode constituir o ponto de partida para uma nova banca que beba da tradição das caixas económicas e dê corpo aos princípios da banca ética, por sinal um dos pontos do programa do atual governo***.

A proposta consiste em dividir o Novo Banco em pequenas caixas económicas locais geridas por associações mutualistas, historicamente na origem do conceito de caixa económica, ou outras entidades da economia social. As caixas ficariam integradas numa rede encabeçada por uma caixa económica central, num modelo inspirado no sistema de crédito agrícola mútuo e que mostra funcionar bem.

As caixas podem ficar na orbita de associações de pequenas empresas, constituindo-se desta forma como um instrumento de acesso ao crédito e de ultrapassar as dificuldades de financiamento que têm junto da banca comercial.

A pequena dimensão das caixas deixá-las-ia fora do alcance regulatório do BCE. A natureza associativa assegura a manutenção sob controlo nacional e a adoção de políticas de crédito em benefício da economia real, dos seus associados. Dá ainda garantias de que os lucros não vão ser expatriados, nem alimentar a especulação financeira ou a ganancia de investidores. Vão antes ser reinvestidos na economia local, reforçar a capacidade financeira das caixas, para desenvolverem a sua atividade no interesse dos associados e das comunidades.



Notas:

* Sérgio Monteiro, ex-secretário de Estado de Passos Coelho, onde foi responsável pela privatizações da ANA, CTT, TAP e CP Carga, foi contratado pelo Banco de Portugal para vender o Novo Banco, por 25,4 mil euros por mês.

** O Banco de Portugal, numa nova tentativa de venda do Novo Banco, recebeu três propostas de fundos de investimento internacionais. Irá agora avaliá-las mas a decisão final cabe ao governo.

*** Banca Ética, além dos princípios da gestão democrática e da base associativa, que já são características das Caixas Económicas, rege a política de crédito por critérios de responsabilidade ambiental e social. O ponto I. 3 do programa do XXI governo fala em novos instrumentos de financiamento como a “Banca Ética”.


(publicado no Esquerda.net a 8/11/2016)